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16 janeiro 2012

Maria e Vicente


Os dedos frágeis e enrugados entrelaçavam-se de forma doce. Os passos, lentos e arrastados, faziam-se numa sintonia assustadoramente perfeita. No rosto, as rugas - tantas quantos os anos que haviam partilhado - não ocultavam o sorriso cúmplice. E nem os esgares de cansaço, à medida que avançavam pela calçada, conseguiam esconder a felicidade de quem (posso jurar) se amou uma vida inteira.

Cativaram-me desde o primeiro instante. O imenso frio não me impediu de os olhar, emocionada, durante todo o demorado caminho que percorreram até ao fim da rua - juntos, sempre juntos. Chamei-lhes Maria e Vicente. E de repente estava a vê-los, sessenta anos antes, a rirem à gargalhada, profundamente apaixonados. Ou com as lágrimas nos olhos, invadidos pelo medo. De se perderem. Imaginei o carinho e a paciência de que precisaram para ficarem juntos, nos piores momentos. Perguntei-me quantas vezes terão provado que o amor não sucumbe à primeira adversidade. Imaginei as vezes em que, sem querer, se magoaram um ao outro. E souberam perdoar. Perguntei-me se alguma vez terão deixado de acreditar.

Nisto, estavam já muito perto de dobrar a esquina. No último instante, já com as lágrimas a quererem escapar, quis desesperadamente correr para eles e perguntar-lhes qual era o segredo.
A vergonha impediu-me. Então virei costas, respirei fundo e prossegui o meu caminho. Não sem antes fechar os olhos e pedir um desejo. Com muita força.


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